domingo, 15 de fevereiro de 2009

Dispo-me

Dispo-me
e
lavo-me
como uma gata
a lingua áspera
sacode-me a pele
sinto
me
fria
e
desajeitada
e
em tosse convulsiva
deixo o cristal cair ao chão
(Recolhi-o apenas no dia seguinte)

A cidade

A cidade pequena sufoca-me. Preciso de um maior aquário. Se vives num aquário pequeno és pequeno…

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

«P»

As minhas pernas fogem-me…
A lingua torce entre os dentes…
Tenho as meias púrpura rotas,
e
já caminho descalça pela rua.
Um carro branco passa e apita.
Grito – «Puta!»

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Eu

“Água da torneira com cheiro a lixívia” – lavo-me, lavo-me, esfrego-me até à queda fatigada da minha pele… Apenas na indústria estriada de olhares vulgarmente indiscretos dou a minha mão. Desejo ser desejada. Amo a contrição de espada.
Fulminem-me os canhões numa tarde de trovoada e oiçam-me gemer pelas entranhas brancas.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Ama-arga

O meu corpo perdeu a sua feminilidade. As minhas esguias curvas são agora secas e rectilineas como na geometria dos pássaros de inverno. Sou cavernosa sem luz ao fundo do túnel. Dispo-me e nada sinto. O rouge falha-me e torno-me ausente. Dispo-me, dispo-me, dispo-me e ainda assim não me rasuro… quero levitar, mas o peso dos dias não me permite… arrasta-me o fundo azul melodicamente melancólico.